O encontro com a minha sombra

Antes de compreendermos o que é este conceito, precisamos saber que no universo tudo funciona através da complementaridade. Uma polaridade não pode existir sem a outra. O dia não existe sem a noite; o escuro não existe sem o claro; a esquerda, sem a direita; o côncavo sem o convexo; os elétrons, sem os prótons; a tristeza, sem alegria; e a lista poderia seguir muito mais. Só conseguimos reconhecer algo através do seu contraste, por exemplo: O que seriam dos dias de céu azul se não tivessem os dias cinzentos para podermos contemplarmos como é bonito um céu azul? Se o céu azul estivesse sempre lá, não iríamos conseguir reconhecer a real beleza dele.

Para o universo estar organizado e equilibrado, sempre vai existir a integração dos opostos, ou seja, a integração das polaridades. Começo este texto assim, para explicar que a sombra por si só, não é ruim, ela precisa existir, visto que ela é o outro lado da moeda da nossa persona. Só conseguiremos de fato sermos inteiros se aprendermos a dançar através das nossas polaridades e aprender com cada faceta delas. Carl Gustav Jung já dizia “prefiro ser um homem inteiro, do que ser um homem bom”.

Carl Gustav Jung, já mencionado nos textos do blog anteriormente, foi quem instituiu o conceito de sombra x persona pela primeira vez. A persona é uma face, uma máscara, um personagem que apresentamos aos outros. Através da persona mostramos o que consideramos legal e aceitável e podemos definir como a nossa personalidade exterior. Já na sombra reside todos aqueles conteúdos que nós não queremos ser, nem mesmo deixar que os outros conheçam já que buscamos aparentar aquela pessoa ideal nas mais diversas situações sociais (aspecto da Persona - máscara).

Vergonha, orgulho, ódio, culpa, ciúmes, inveja, aquilo que negamos, não gostamos, entre outras coisas, as quais são incompatíveis com o nosso padrão social, simplesmente nos remetem a aspectos de nossas vidas que temos dificuldade em assumir, isto é, o avesso do que normalmente gostaríamos que aparecesse de nós, isto é a nossa sombra.

A sombra também se mostra através dos lapsos de linguagem, quando falamos coisas sem querer, quando nos embriagamos, quando reagimos excessivamente, quando nos acidentamos, quando mentimos, quando adoecemos, quando criticamos, reclamamos ou jogamos o jogo da culpa e do vitimismo, e inclusive quando rimos exageradamente de algo, também estaremos diante da sombra.

Contudo, a sombra só se torna uma ameaça quando não aprendemos a escutar ela, quando a rejeitamos, quando não aceitamos nossos lados mais difíceis e sombrios, quando ficamos fixados em manter uma imagem de pessoa boa o tempo inteiro; pois se fizermos isso, de uma forma ou de outra, a sombra vai precisar se manifestar. Gosto de dizer que ou você abraça a sua sombra ou ela irá te abraçar.

Então o primeiro fato que precisamos aceitar é: não somos somente maus ou somente bons. Gosto de trabalhar com os meus pacientes através de analogias, por exemplo, quem sabe você senta para tomar um chá com a sua raiva e o seu ciúmes e observa o que tem ali para ser observado, em vez de negar e tentar repelir esses sentimentos? Jung, fala que precisamos ter um diálogo constante com os nossos aspectos mais sombrios. O nosso self, o nosso Eu mais inteiro, é a integração da nossa persona com as nossas sombras.

Costumo observar na clínica, que qualquer sujeito que está muito polarizado em algum assunto, por exemplo, uma pessoa que é obcecada por saúde e ter uma alimentação perfeita, muitas vezes a sua sombra irá se manifestar com um comportamento de atacar a geladeira à noite e comer doces às escondidas. Já vi um caso de uma pessoa que era vegana super radical, em um momento de raiva e ansiedade foi comer um hambúrguer de carne. Ou uma pessoa que quer se mostrar o tempo todo muito boa para os outros, com uma crença de auto-sacrifício, por exemplo, poderá tratar alguma pessoa que não é do seu entorno de forma grosseira, ou poderá se tratar com desrespeito, e o que é muito comum também, atrair pessoas que são desonestas ou agressivas consigo, pois novamente afirmo: o universo sempre vai buscar o equilíbrio, de uma forma ou de outra.

Por isso, é muito comum uma pessoa demasiado passiva atrair outra que seja agressiva em alguns aspectos, pois esta é a sua sombra. Deverá refletir e integrar a agressividade dentro de si, e observar onde cairia bem ser um pouco mais ativa e agressiva. Eu sei que algumas pessoas podem ler isto e pensar: “nossa Marcela ser agressiva nunca me cairia bem”, só que leia até o final para compreender. Não estou falando sobre se tornar uma pessoa agressiva, mas para EQUILIBRAR essa energia dentro de si. De que maneira para uma pessoa que é muito passiva e não gosta desagradar os outros, poderia colocar uma energia um pouco mais agressiva na sua vida e dizer a mais “nãos”, dar alguns limites, não aceitar tudo o que lhe fazem, deixar inclusive algumas pessoas sem resposta porque talvez isto seja a melhor coisa a ser feita naquele momento?

Outra situação nada incomum que podemos usar como exemplo do efeito sombra é assistirmos notícias de padres pedófilos, visto que são homens que pregam a palavra de Deus, demonstram uma persona que seria o seu ideal, mas muitas vezes podem excluir as suas partes mais sombrias, mais humanas mesmo, e ficam polarizados em ser somente bons. E o que mais precisam reprimir? A sua sexualidade, que é uma das coisas mais biológicas e primitivas que existe. Desta forma, se um padre não é muito bem trabalhado em relação a isso, e permite que esta parte escoe de outras formas, às vezes a sombra pode sair através de atos criminosos envolvendo a sexualidade de forma perversa. Não estou falando em hipótese nenhuma que todos os padres são pedófilos, mas que sim quando vemos situações como essas, são manifestações da sombra humana, pois tudo aquilo que rejeitamos e excluímos, persiste em nós; e o que aceitamos, podemos transformar.

Assim como é comum assistir pessoas públicas e famosas, que precisam manter sempre a sua persona de maneira muito rígida, uma vez que estão sempre sendo observadas, apresentar dificuldades com uso de substâncias, vícios de todos os tipos, casos de overdose e suicídios inconscientes. Políticos que pregam uma coisa em público, mas são corruptos quando ninguém os vê. Claro que existem muitos fatores envolvidos em cada caso e sou a primeira a não gostar de generalizar as coisas, contudo isto são apenas exemplos de situações nas quais quando não aceitamos todas as partes que nós somos e aprendemos a gerenciar isto e dar saídas mais aceitáveis e saudáveis para a nossa sombra, ela irá se manifestar de uma maneira muitas vezes torta e não tão bonita.

Desta forma, observe em que áreas ou momentos da sua vida, você tem dificuldade de expressar o que está sentindo? Quando tem dificuldade de ser vulnerável e mostrar seus lados mais frágeis e desafiadores? O que você rejeita em si mesmo? Onde estão os seus maiores julgamentos? Onde na sua vida você está muito polarizada(o) e não está conseguindo encontrar um caminho do meio? Onde está faltando equilíbrio? Em que situações nos encontramos rígidos com algum pensamento e não mudamos de ideia em hipótese nenhuma? O que temos vergonha de aceitar em nós mesmos? O que rejeitamos muito nos outros? Isto são auto-indagações que nos dão pistas de onde estão as nossas sombras e de que forma podemos flexibilizar alguns pensamentos rígidos e integrar aquilo que rejeitamos como parte de nós mesmos.

E para concluir, é extremamente poderoso quando passamos a pensar na sombra com o objetivo de integrar nossas polaridades, visto que o uso consciente da sombra nos dá muito poder. Nos tornamos tão mais fortes quando podemos nos enxergar por inteiro, quando temos coragem de não rejeitar mais nada e aceitar tudo que contempla quem somos. Eu gosto de chamar isso de se tornar Ser Humano de verdade. Aprender a Ser Humano implica errar, cair, levantar, um dia estar bem, outro dia nem tanto, significa sentir todas as emoções possíveis, viver tantas experiências diferentes, viver momentos de dores e momentos de profunda alegria, muitas vezes ter que passar a dor de uma traição, em outros casos trair, e assim vai. A nossa alma sabe o que precisamos passar. Eu tenho um palpite que até cumprirmos nossa missão aqui enquanto alma, vamos precisar transitar entre todos os polos possíveis, todas as experiências possíveis, para que só assim de fato possamos compreender o que é ser inteiro.