Você já se imaginou tentando controlar um rio?
Você já tentou fazer a chuva parar de chover?
Você já se imaginou tentando controlar as estações do ano ou o clima?
Eu suponho que conscientemente você responda que não, correto?
O que fazemos normalmente é se proteger e encontrar novas saídas para aquilo que já está acontecendo e não temos controle.
Se está chovendo, usamos proteção contra a chuva ou nos abrigamos.
Se está frio, buscamos nos aquecer; se está calor, buscamos nos refrescar.
Porém, para coisas não tão óbvias como as descritas acima, para situações que gostaríamos que fossem diferentes, por não gostarmos do desfecho, costumamos muitas vezes ter um hábito de brigar e lutar com aquilo que já está acontecendo.
Assim como, nós, seres humanos, temos uma tendência de frequentemente não abraçar aquilo que temos, a realidade que estamos vivendo, seja ela qual for, por sempre estar em busca daquilo que desejamos e ainda não temos.
É uma busca e uma briga infinita entre aquilo que eu tenho e aquilo que eu gostaria.
Assim como a chuva que cai e o rio que corre que não temos controle, muitas outras situações também não temos, mas insistimos em querer controlar e mudar. Porém, lutar com aquilo que já está acontecendo só irá criar mais resistência. E quanto mais resistência criamos frente a uma situação, mais sofrimento iremos experienciar.
“É o relacionamento que termina que não consigo aceitar.
É o meu parceiro que tem comportamentos que eu não gosto e eu insisto em mudá-lo.
É os ciclos de amizade que se encerram e eu tenho dificuldade de deixar ir.
É a promoção no emprego que eu gostaria mas ainda não chegou e me impede de ficar satisfeito com a caminhada profissional que já venho fazendo.
São as curvas e o biotipo do meu corpo que eu insisto em mudar para se encaixar em um padrão e faz eu não aceitar a natureza do meu corpo.
É um grande amigo que faleceu de forma trágica e não consigo entender o porquê de certas coisas tão injustas acontecerem na vida.
É o diagnóstico do meu filho que eu não consigo aceitar e faz eu ter vergonha lá no íntimo”.
E a lista aqui poderia ser enorme de situações que perpassam a todos nós, e que eu vejo todos os dias no consultório. São situações que não temos nenhum ou pouco controle mas que insistimos em querer mudá-las. Dessa forma, se isto já aconteceu ou está acontecendo, seja lá o que for, quem sabe começamos a colocar a nossa energia em encontrar uma nova saída de resolução para aquilo ao invés de ficar insistindo que aquilo não deveria estar acontecendo ou não deveria ter acontecido?
Para mim, e baseado em muitos estudos e evidências da Psicologia contemporânea, como e as abordagens da terceira onda das terapias cognitivo comportamentais, como a Terapia de Aceitação e Compromisso, a Terapia focada na Compaixão, o Mindfulness a e Terapia Dialética, todas abordam um ponto em comum na sua forma de tratamento: Aceitação como chave para todo e qualquer processo mudança. Assim como, outras abordagens teóricas dentro do contexto da psicologia e da psiquiatria, sempre em algum momento vão trabalhar aspectos nos pacientes que precisamos aceitar pois não há nada que está no nosso controle para ser feito para mudar aquela situação.
Contudo, para mim, uma das grandes chaves para de fato colocarmos em prática a radical aceitação é soltarmos muitas vezes os nossos desejos e o que a gente quer e gostaria que acontecesse e começar a deixar que a vida nos apresente o que simplesmente é, de momento a momento. Isto não é tarefa fácil e requer muita prática para que possamos começar a aceitar as coisas como elas são, a soltar o que a gente acha que será o melhor para gente e abraçar e abençoar aquilo que já se apresenta, seja lá o que for.
E meu amores, a vida é um grande mistério.
Muitas coisas que não esperamos e não desejamos acontecem na nossa vida,
Muitas vezes chegam sem aviso prévio.
E tem coisas que nunca vamos conseguir entender ou encontrar respostas.
Então ou nos rendemos ao que nos acontece ou ficamos na resistência e criamos ainda mais sofrimento, como falei anteriormente.
Aceitar o que a vida nos traz é aprender a amar o que a vida nos traz, independente do que seja.
É permitir que a vida tome o curso que ela precise tomar.
Mas aceitação não é se colocar em uma postura passiva com a vida. É pelo contrario, é se colocar numa postura extremamente ativa com a vida, pois é estar consciente, é conseguir compreender, é conseguir se render, é escolher se entregar.
Para a própria vida.
É confiar.
É sentir tudo o que precisamos sentir: a tristeza, as perdas, as alegrias, os ganhos, as conquistas, os nascimentos, as mortes, os relacionamentos que começam, os que terminam, o dia que se vai para se abrir para a noite que chega. Os sonhos interrompidos, as surpresas que nem esperávamos e chegaram, as propostas de trabalho que não recebemos, as portas fechadas, as outras abertas. As desilusões no amor, as paixões ardentes, o amor calmo, o amor não vivido. As amizades desfeitas, os ciclos que se encerram, os outros que se iniciam. Tudo, absolutamente tudo. Tudo é bem-vindo.
Independente do que seja, tudo merece ser sentido através da nossa pele. E sentindo profundamente.
Isto nos faz mais humanos, mais inteiros. Sentir tudo o que faz parte de uma experiência humana.
Não tentar fugir de nada.
Isso é aceitação, é realmente uma forma de se relacionar com a vida onde começamos a dar boas vindas a tudo que chega.
E é quando começamos a aceitar as coisas como elas são, que paradoxalmente as mudanças também começam a surgir.
É quando nos abrimos para sentir o que precisamos sentir, que invariavelmente, em algum momento, aquilo começa a passar e novas emoções começam a emergir.
Novas circunstâncias. Novas pessoas. Novas fases. Novos momentos.
Frescos.
Para mim, a prática da aceitação radical das coisas como elas são é realmente um ato genuíno de fé.
A CASA DE HÓSPEDES
O ser humano é uma casa de hóspedes. Toda manhã uma nova chegada.
A alegria, a depressão, a falta de sentido, como visitantes inesperados.
Receba e entretenha a todos Mesmo que seja uma multidão de dores que violentamente varrem sua casa e tira seus móveis.
Ainda assim, trate seus hóspedes honradamente.
Eles podem estar te limpando para um novo prazer.
O pensamento escuro, a vergonha, a malícia, encontre-os à porta rindo.
Agradeça a quem vem, porque cada um foi enviado como um guardião do além.
— Rumi (Mestre sufi do sec. XII)
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